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Star Wars: uma nova esperança

Star Wars: uma nova esperança

Esta é uma versão revista e editada de do texto originalmente escrito em Dezembro de 2015 para o episódio 10 do Segundo Take.

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Nunca antes tinha vivido tamanha expectativa para a estreia de um filme. A única experiência comparável terá sido mesmo a antecipação da estreia de A Ameaça Fantasma, quarto filme e primeiro episódio da saga Star Wars. Depois das experiências das prequelas nada faria prever que, em primeiro lugar, teríamos novos capítulos e, em segundo lugar, meio mundo ficaria à beira de um ataque de nervos na expectativa da estreia do mesmo.

Esta expectativa foi sendo alimentada com os sucessivos anúncios desde a notícia da venda da Lucasfilm à Disney: nova trilogia oficial e spin-offs no universo Star Wars, J.J. Abrams como realizador do episódio VII, o envolvimento de Lawrence Kasdan na escrita do argumento, o regresso do elenco original a complementar novas personagens, os teasers, os trailers, os cartazes. Nenhum passo foi dado em falso, e Abrams demonstrou saber o que os fãs realmente queriam.

Mas tudo se precipitou nas semanas anteriores à estreia em Dezembro de 2015 numa demonstração que um novo Star Wars não é só mais um filme, mas sim um acontecimento cultural à escala global onde, por paixão e cinismo em iguais doses, todos os meios informativos contribuíram com retrospectivas, análises, antecipações, recordações, artigos e afins, com uma disseminação nas redes sociais que quase fariam dispensar o marketing da Disney, não fossem os prospectivos lucros astronómicos de todo o  merchandise que neste momento não conhece limites: desde os tradicionais brinquedos até produtos de beleza.

E o filme no meio de tudo isto? A primeira boa notícia é que O Desperta da Força é o melhor filme que os fãs podiam desejar. A segunda boa notícia é que também é um triunfo do marketing atrás referido que soube vender exactamente o filme que produziram, não estragando nenhuma surpresa nem tentando passar gato por lebre.

Recheado de piscadelas de olho à trilogia original, J.J. Abrams demonstra um cuidado especial em agradar aos fãs sem nunca sacrificar a narrativa para tal. Usando economicamente os aspectos familiares da saga, elenco original incluído, deixa brilhar as novas personagens, herdeiras da nova trilogia, em interpretações empenhadas do novo elenco: John Boyega como Finn, Oscar Isaac como Poe Dameron, e especialmente a luz e as trevas desta nova encarnação, Daisy Ridley como Rey e Adam Driver como Kylo Ren.

Abrams consegue situar a nova aventura em território familiar, mas construindo uma mitologia e identidade próprias. Este é o seu maior triunfo. O ritmo é frenético e as cenas de acção emocionantes. Se é verdade que algumas personagens são pouco desenvolvidas, vítimas da propulsão da narrativa, também é justo dizer que as peças centrais têm tempo para respirar e desenvolver o seu arco. A passagem de testemunho é conseguida com uma química de humor natural e orgânico assente no carácter das personagens, resultado de uma cuidadosa  escrita de diálogos e de interpretações convincentes, factores decisivos para os laços emocionais que estabelecemos com elas no espaço de duas horas. Exemplo deste sucesso é o dróide BB8, digno sucessor de R2D2 e C3PO.

Outra peça central é a caracterização de Kylo Ren, o vilão desta nova trilogia: imaturo, impulsivo, imprevisível e dilacerado entre a sua natureza e as suas escolhas. Kylo Ren é, neste filme, o representante dos temas centrais da saga, da escolha entre o bem e o mal e dos conflitos familiares e será certamente, a par de Rey, central no desenvolvimento da história pelos capítulos VIII e IX.

Notas menos positivas para algumas coincidências narrativas e, a espaços, alguma falta de peso emocional em favor do ritmo frenético imposto por Abrams. Além disso, o sempre fiável John Williams, cumpre sem deslumbrar no departamento da banda sonora, faltando um tema marcante e distintivo, e sendo o compositor mais eficaz nas chamadas aos temas clássicos e imediatamente reconhecíveis. 

Vivem-se tempos maravilhosos para ser um fã de Star Wars.


Esta é uma versão revista e editada de do texto originalmente escrito em Dezembro de 2017 para o episódio 112 do Segundo Take e publicado no sítio da Take Cinema Magazine.

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Desde o momento em que a Disney tomou conta da saga intergaláctica criada em 1977 por George Lucas, a milionária produtora tem encetado esforços para fazer esquecer as infames prequelas que o próprio autor escreveu e realizou entre 1999 e 2005. Nessa altura, apesar das novas legiões de fãs de tenra idade que voltou a arrecadar, a trilogia que traçou a ascensão e queda de Anakin Skywalker, culminando na sua transformação trágica no vilão Darth Vader, gorou anos e anos de sonhos, fantasias e especulações de uma horda de crianças que, entretanto, se tinham tornado adultas sem que perdessem aquela centelha despoletada pelas aventuras de há muito tempo, numa galáxia muito distante.

A primeira evidência que a saga olharia em frente — isto com uma nova prometida trilogia, sendo que no caso dos spin-offs o caso seria diferente — foi o cancelamento das exibições previstas de O Ataque dos Clones e A Vingança dos Sith em versões convertidas em 3D, depois de A Ameaça Fantasma ter sido lançado, e apesar dos trabalhos de conversão terem sido concluídos. Quando O Despertar da Força, escrito pelo colaborador da trilogia original de Lucas, Lawrence Kasdan, em parceria com o realizador J. J. Abrams, estreou em 2015, a promessa foi cumprida apenas parcialmente: apesar de continuar a narrativa a partir do desfecho de O Regresso de Jedi, apresentando novas personagens, o episódio VII da (agora referida como) Saga Skywalker funcionou como um soft reboot / remake do original de 1977 — seguindo a actual tendência nostálgica — reproduzindo elementos e momentos narrativos desse filme de uma forma demasiado fiel.

No entanto, o seu maior sucesso foi mesmo o recuperar do espírito primordial da saga, partindo de elementos familiares e reconhecíveis pelos fãs para lançar novas aventuras com personagens que facilmente caíram nas boas graças do público — tarefa apenas aparentemente fácil: veja-se o muito popular Rogue One, infinitamente inferior, mas recebido de forma calorosa pelo uso abundante de iconografia e personagens já estabelecidas previamente. De fora ficaram as intrincadas tramas políticas, as rotas comerciais, as concepções imaculadas ou as explicações prosaicas para a Força, o poder místico vital para o charme original de Star Wars, aqui justificado com banalidades pseudo-científicas como “midiclorianos”. Redescobriu-se assim, apesar de um argumento relativamente simplista, tanto o sentido de diversão que se julgava perdido, como o elemento mitológico e lendário da Força e da Ordem Jedi, o culto de guerreiros que dominam o seu poder.

Entretanto, alheado à razia de filmagens adicionais de última hora (Rogue One) e despedimentos — tanto em fase de pré-produção (Colin Trevorrow, Episódio IX) como em plenas filmagens (Phil Lord e Chris Miller, spin-off do Han Solo) —, Rian Johnson escreveu e concluiu imperturbado a realização do episódio VIII: Os Últimos Jedi. O anúncio de Johnson como timoneiro do capítulo central desta nova trilogia foi surpreendente e animador. Os cinéfilos mais atentos reconhecerão o seu registo estilizado de Brick (2005) e Os Irmãos Bloom (2008), bem como a sua bonomia em bem dispostas participações em podcasts cinéfilos. Mas o título mais óbvio do seu currículo que justifica a sua contratação será mesmo Looper – Reflexo Assassino (2012), uma labiríntica narrativa de ficção científica que recorre ao conceito de viagens no tempo para levantar fascinantes questões de identidade num universo futurista rico e contruído meticulosamente com uma óbvia atenção ao pormenor.

Em Os Últimos Jedi, o reduzido grupo de rebeldes que luta contra a Primeira Ordem, liderado pela general Leia Organa (Carrie Fisher), coloca-se em fuga quando uma frota inimiga ataca o planeta onde se encontra a sua base principal. Depois de uma batalha no espaço, onde as acções do genial piloto Poe Dameron (Oscar Isaac) levam a uma pequena vitória para os rebeldes — apesar de um elevado número de baixas —, estes fogem pelo hiperespaço com a frota sobrevivente, desconhecendo que o General Hux (Domhnall Gleeson) tem a capacidade de os seguir e manter a perseguição. Entretanto, Rey (Daisy Ridley) encontra Luke Skywalker (Mark Hamill), mas este recusa ser o seu Mestre Jedi, bem como ir em auxílio dos desesperados rebeldes. Inesperadamente, Rey e Kylo Ren (Adam Driver) começam a comunicar à distância através de uma misteriosa ligação da Força. Luke e Kylo revelam a Rey diferentes versões do incidente da Escola Jedi que transformou Ben Solo no aprendiz do Líder Supremo Snoke (Andy Serkis) e que empurrou Luke para a vida de eremita.

Sendo a peça central desta nova trilogia, cabe a Os Últimos Jedi o papel de capítulo negro e pessimista — o equivalente de O Império Contra-Ataca da trilogia original. A dúvida que persistia era se Rian Johnson prolongaria a tendência referencial e reverencial de O Despertar da Força ou se partiria para novos e desconhecidos territórios. A resposta a esta questão cairá algures a meio destas duas hipóteses. Não reproduzindo de forma tão linear a estrutura de O Império Contra-Ataca como aconteceu no filme de J. J. Abrams em relação ao original de George Lucas, ainda assim Johnson invoca bastantes referências àquele título, as suficientes para o impedir de se libertar das amarras da familiaridade. Seja a premissa da perseguição impiedosa da Primeira Ordem ao grupo de rebeldes, a batalha terrestre envolvendo caminhantes AT-AT num cenário alvo — aqui dramaticamente manchado de um evocativo carmesim — ou, numa linha narrativa central ao desenrolar da trama, um treino Jedi relutante abandonado pelo aluno a meio, o espectro do episódio V está sempre presente.

Adicionalmente, os fãs mais dedicados reconhecerão referências também aos capítulos IV e VI, sendo que o mais relevante e marcante é um confronto de vontades envolvendo o flutuar de alianças perante o bonecreiro supremo do vilão da fita. O irónico é que a narrativa de Johnson equilibra estes elementos repescados num esforço genuíno de seguir em frente. Quando Kylo Ren afirma que é preciso deixar morrer o passado para reconstruir o futuro, está também a comentar a direcção que esta saga parece querer tomar. Assim, o esforço de evolução narrativa envolve o confronto e o questionamento das presunções do passado. Ao confrontar os erros e fraquezas de Luke Skywalker, o herói (de facto) da trilogia original, elevado a mito desde então, Johnson constrói o capítulo mais complexo e emocional da saga — não nos esqueçamos que, apesar da fervorosa devoção actual por hordas de fãs pelo mundo inteiro, estas são aventuras escapistas que remetiam na sua génese para os serials do Flash Gordon da infância da ficção científica — colocando no centro da narrativa o eterno conflito entre o bem e o mal, desta vez de uma forma mais interior e pessoal, evitando uma simples representação exterior de bons e maus. A fronteira entre a luz e a escuridão é esbatida — um não existe sem o outro — e o equilíbrio ténue que se estabelece entre os dois é conseguido, não pela força de escolhidos e profetas, mas pelas decisões morais de indivíduos em conflito interno.

Ao ser revelado o segredo sobre a ascendência de Rey — será mesmo verdade? — o universo rendilhado e minguante a cada nova prequela de George Lucas, onde todas as personagens e acontecimentos pareciam estar ligados, volta a expandir-se, abrindo mil e uma fascinantes possibilidades futuras e reclamando a Força como um elemento místico e natural acessível a quem consiga ter a abertura de espírito para a percepcionar e influenciar. É vital, portanto, o regresso de uma carismática personagem que serve, literalmente, como uma faísca que inflama o fogo que rompe com o passado e humaniza o conflito inerente à responsabilidade de mentoria de um cavaleiro da Ordem Jedi.

Apesar de Os Últimos Jedi ignorar algumas das preocupações dos fãs na sequência de O Despertar da Força — qual a origem de Snoke?, qual o papel de Maz Kanata?, qual a importância de Phasma? — há um aproveitamento daquilo que melhor funcionava nesse filme: as personagens. O beneficiário óbvio é Oscar Isaac como Poe Dameron, aqui com um papel mais sumarento, rebelde, aventureiro e indisciplinado, questionando a autoridade e intervindo ao ponto de despoletar involuntariamente parte dos problemas em que os rebeldes se vêm envolvidos. Isto com a ajuda de Finn (John Boyega) e a nova personagem Rose (Kelly Marie Tran) que, apesar de um momento emocional perto do fim, protagonizam a sequência menos conseguida do filme: uma incursão a um planeta-casino que remete para a estética e tom das prequelas de má memória. Domhnall Gleeson continua a mastigar desenfreadamente o cenário no seu retrato do General Hux, enquanto que a prestação de Snoke, por certo, deixará muitas pessoas desiludidas (no entanto, não por culpa do esforço de Andy Serkis). Mark Hamill está à altura da expectativa do seu regresso como Luke, intenso e vulnerável, numa progressão natural da sua personagem original. Carrie Fisher, a quem o filme é obviamente dedicado, tem um papel central em que protagoniza um par de cenas que funcionam como uma sentida despedida à princesa que abrilhantou a trilogia original. Benicio del Toro, como o pirata DJ, e Laura Dern, como a Vice-Almirante Holdo, são boas adições ao elenco, muito embora Maz Kanata (Lupita Nyong’o) e Phasma (Gwendoline Christie) sejam desaproveitadas, o que faz pensar terem sido boas ideias no papel que não encontraram expressão no desenvolvimento das narrativas. Finalmente, Daisy Ridley e Adam Driver, como Rey e Kylo Ren, definem-se cada vez mais como as peças centrais desta trilogia e as suas interpretações estão à altura do desafio.

Contas feitas, Os Últimos Jedi beneficia de uma estrutura algo invulgar, contrariando (pelo menos de forma linear) a clássica divisão em três actos. As várias linhas narrativas semeadas na primeira parte culminam numa sequência intensa que remete para os desfechos tradicionais noutros filmes da saga — entrecortando três acções distintas: uma missão de infiltração na nave inimiga, um combate entre naves espaciais e uma empolgante luta de sabres —, mas que aqui é apenas o aperitivo para uma recta final verdadeiramente espectacular. Apesar de visualmente deslumbrante (tirando um ou outro efeito de composição de menor qualidade, mais notórios na versão 3D), foi na batalha da sequência final na planície salgada da base rebelde abandonada que Rian Johnson se esmerou, oferecendo imagens de antologia e rara beleza que certamente agradarão a qualquer fã da saga e se tornarão, sem sombra de dúvida, em momentos incontornáveis da sua iconografia. No final, a mensagem é simples: tal como a resistência, Star Wars está aqui para ficar. E enquanto houver esperança e sangue novo, tem o potencial de se perpetuar. Basta saber deixar o passado morrer.


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