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Star Wars: a história reescrita

Star Wars: a história reescrita

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Sobre as prequelas muito já foi dito, justa e injustamente. É fascinante como a expectativa de adorar algo pode converter-se tão radicalmente no seu exacto oposto. Ninguém que fala mal das prequelas queria, à partida, não adorar aqueles filmes. As razões para tal ter acontecido serão as mais variadas, e eu vou tentar avançar com as minhas: o maior problema das prequelas está no quebrar das promessas encerradas na própria trilogia original. No mistério do que ficou por contar. Nas lendas, mitos e pontos de vista que ficaram por explorar. De certa forma, sem que disso tenha qualquer culpa, George Lucas falhou na missão de construir a história que correspondesse às múltiplas expectativas acumuladas ao longo de décadas, tantas quantos os fãs que sonharam com o Star Wars desde miúdos.

Isso já acontecera no evoluir da trilogia original. A diferença é que então não havia expectativas para gorar. No movimento propulsivo da construção narrativa deste universo foi irrelevante que Darth Vader não fosse pai de Luke na concepção original de George Lucas, nem tanto que Leia não fosse sua irmã. Estas revelações funcionaram pois originam de uma mitologia de passado obscuro, contada oralmente e influenciada por convenientes pontos de vista. Além disso, não desfazem nenhuma construção basilar da narrativa como um todo, tornando-a, aliás, numa saga tão intimamente pessoal como intemporalmente universal.

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E já que falo do pessoal, o que, para mim, não funcionou logo desde A Ameaça Fantasma — universalmente promovido como o Episódio I — foram as inconsistências entre os acontecimentos canónicos aqui introduzidos e cristalizados e a mitificação do passado sugerido pela trilogia original — ou pelo menos a versão dela que tinha construído na minha cabeça. Concretamente, a origem de Anakin Skywalker: o seu carácter, as suas relações pessoais e a sua queda para o lado negro da Força. A amargura do tio de Luke, Owen, revelava o peso da perda de um irmão pela sua impetuosidade e ambição. Por ser aventureiro e destemido. Por ter perseguido o seu sonho, em oposição à natureza de Owen mais conformista e trabalhadora. O que acontece nas prequelas? Owen é meio-irmão de Anakin e cruza-se com ele uma vez na sua vida. 

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Depois existem uma série de inconsistências com Obi-Wan. Este revela a Luke que quando conheceu o seu pai, Anakin era já um grande piloto — de podracers? Disse-lhe também que o pai lhe tinha deixado o sabre de luz — mais uma massagem da verdade? Depois revela-lhe que não usava o nome Obi-Wan desde muito antes de Luke ter nascido — desculpe, pode repetir? Refere que Yoda foi seu mestre — então o que foi Qui-Gon? Se a isto acrescentarmos os acontecimentos da trilogia original, onde Obi-Wan tinha revelado que Darth Vader tinha morto o pai de Luke — mais tarde justificando-se com a desculpa do «ponto de vista» —, das duas uma: os anos passados no deserto como ermita não lhe fizeram bem à memória ou Lucas reinventou o passado sugerido pelos filmes originais, o que por si só não seria um problema. Porém, no que respeita ao fio condutor entre passado e presente garantido por Obi-Wan, rasgou irremediavelmente o tecido mitológico que sustentava a saga.

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Compreendo que tudo isto pareça insignificante, como por exemplo, C-3PO, dróide protocolar no filme original, ter sido uma criação do menino escravo futuro Lorde dos Sith. No entanto, inconsistências como Leia revelar num momento tocante de O Regresso de Jedi que se lembra da sua mãe, apenas para mais tarde sabermos que Padmé morreu durante o parto, são cruciais. Bem sei que podem ser lapsos de memória das personagens, ou simplesmente, como diria Obi-Wan, verdades por um particular ponto de vista. Mas nunca consegui conciliar estas discrepâncias terem sido ignoradas, tanto pelo criador da saga como pela maior parte dos fãs, apesar da sua importância na caracterização de personagens centrais ao universo. Isto enquanto se perdia muito tempo — e gastava muita tinta — à volta de quezílias como, por exemplo, quem terá disparado primeiro na cantina de Mos Eisley.

O mundo de possibilidades do MEU Star Wars era infinitamente mais rico e preocupava-se mais com personagens e carácter. É possível que George Lucas tenha feito exactamente o que queria fazer, e quem o pode censurar? Pena não ter sido um prolongamento da riqueza narrativa que o próprio deixou semeada nos originais.


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