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Épicos no pequeno-ecrã

Épicos no pequeno-ecrã

Falar de cinema no arranque de 2022 é falar da realidade trazida pela pandemia do COVID-19 e das muitas formas como esta afectou o panorama cinematográfico, tanto nos impactos às produções propriamente ditas, como nos modelos de distribuição, com a indústria a procurar soluções alternativas às salas de cinema muitas vezes encerradas e a encontrar aliados nos serviços de streaming que se vão instalando confortavelmente nas nossas casas.

Os dois exemplos que aqui trago — O Poder do Cão, a mais recente realização de Jane Campion depois de um hiato de doze anos, e O Último Duelo, um de dois títulos estreados em 2021 pelo prolífico Ridley Scott — são sintomáticos disto mesmo. Ambos tiveram as suas produções interrompidas em Março de 2020, retomadas meses depois, quando o mundo se recompôs da desagradável surpresa e começou a reagir com medidas de segurança para poder funcionar minimamente. Ambos estrearam no Festival de Cinema de Veneza em Setembro do ano passado, porém, no que respeita à distribuição, as duas experiências foram distintas: O Poder do Cão teve um lançamento limitado no mercado norte-americano em Novembro, acabando por estrear globalmente na Netflix no mês seguinte. Enquanto que O Último Duelo apostou tudo no lançamento em salas de cinema à escala mundial em Outubro, onde penou com resultados de bilheteira muito abaixo das expectativas durante cerca de mês e meio, até ser lançado no mercado caseiro e disponibilizado no Disney+.

Torna-se relevante reflectir sobre as carreiras destes filmes porque pode residir aqui um dos sinais da futura decadência do cinema feito para adultos, bem como da sua exibição em sala. Ambos são filmes épicos, nitidamente pensados para serem vistos no maior ecrã possível. Apesar de intimista e interior, O Poder do Cão tem como pano de fundo grandiosas vistas do faroeste e uma espectacular fotografia de Ari Wegner, pontualmente crepuscular e onírica. Com um orçamento entre os trinta e os quarenta milhões de dólares, é a típica produção de gama média cada vez mais rara, pelo que se compreende a Netflix como o seu destino. O que não se entende é porque não houve a aposta de o lançar em salas de cinema internacionais antes da disponibilização no canal, tal como aconteceu com Não Olhem Para Cima. Quer dizer, de certa forma até se percebe: alguém na Netflix considerou que Não Olhem Para Cima teria mais apelo comercial e levaria pessoas às salas de cinema para verem as estrelas que recheiam o seu elenco, muito embora, do ponto de vista artístico, O Poder do Cão pedisse uma tela mais expansiva que Não Olhem Para Cima.

Se no caso de O Poder do Cão nos podemos queixar de decisões executivas da Netflix, a verdade é que os filmes têm de provar a sua própria viabilidade comercial. E aqui entra a voz dos consumidores, ironicamente, cada vez mais habituados a uma dieta cinéfila caseira, ilusoriamente gratuita e alimentada pela promessa de continuidade das séries televisivas e cruzamentos de universos da Marvel, marca que, no entendimento de muita gente, define o que é o Cinema hoje em dia. É por isso razoavelmente alarmante assistir à super-produção de cem milhões de dólares do consagrado Ridley Scott, escrita e interpretada pela popular dupla Matt Damon-Ben Affleck e contando no elenco com as estrelas em ascensão Adam Driver e Jodie Comer, sair das salas de cinema como um estrondoso fiasco de bilheteira, tendo recuperado apenas 30% do seu custo. Claro que surpreende ainda mais por, na lotaria que é apostar num novo filme de Ridley Scott, esta ser uma taluda premiada: um épico violento de grande escala, ao mesmo tempo pessoal, recheado de subtilezas, bem como de óbvias e directas ideias sobre temas tão actuais hoje como na França medieval que retrata.

Porque a Netflix não divulga números de espectadores (a não ser que lhes seja conveniente), talvez O Poder do Cão tenha sido poupado a estes infortúnios. O certo é que o resultado de O Último Duelo nas bilheteiras é mais lenha para a fogueira na qual os executivos de Hollywood não se querem queimar, dando-se continuidade assim ao ciclo vicioso em que se deixam de produzir certos filme que poderiam enriquecer o panorama da oferta em sala, afunilando-se naquilo que o público quer ver, público esse que, entretanto, não tem alternativas no grande ecrã porque se deixam de produzir aqueles filmes capazes de arrebatar e alimentar a paixão pela Sétima-Arte.

  • Análise a O Poder do Cão aqui.

  • Análise a O Último Duelo aqui.

Massacre no Texas

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O Último Duelo

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