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Um massacre a mais

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Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 13 de outubro de 2016 com o título [Segunda dose] Massacre no Texas 2 (1986) e pode ser lido na íntegra aqui.

Doze anos depois a família canibal de Massacre no Texas estava de volta num filme novamente realizado por Tobe Hooper, desta vez contando com um destravado Dennis Hopper no principal papel. O Massacre no Texas original, um filme de terror de baixíssimo orçamento produzido em 1974, mudou o paradigma no que respeita à violência que era possível mostrar no grande ecrã, bem como à sustentação implacável dos níveis de intensidade, nomeadamente na prolongada cena de tortura física e psicológica de Sally, a única sobrevivente do grupo de adolescentes protagonistas. O que parecia ser o início de uma promissora carreira nunca "descolou", passe a expressão, apesar da eficaz adaptação de 1979 do livro de Stephen King, Salem's Lot, e de Poltergeist, o Fenómeno, de 1982, que contudo, rezam as crónicas, tem mais a mão do seu produtor Steven Spielberg do que do seu realizador. Em 1985 Hooper alia-se à Cannon, de Yoram Globus e Menahem Golan, para realizar o épico de terror e ficção científica no qual os primos produtores israelitas depositavam grandes esperanças, Lifeforce: As Forças do Universo. O resultado, que serviu de base ao episódio 0 deste podcast há precisamente um ano, é um desastre embaraçoso tão mau quanto ambicioso. Apesar disso a Cannon financiou, no ano imediatamente a seguir, mais dois filmes de Hooper: Os Invasores de Marte, remake do filme com o mesmo nome de 1953, e Massacre no Texas 2, a inesperada sequela do filme com que o realizador se deu a conhecer ao mundo.

Tobe Hooper e Kim Henkel, os argumentistas do filme original, alimentaram a ideia de uma sequela, em jeito de sátira, que envolvia uma cidade inteira de canibais, mas o estúdio não subscreveu essa ideia. Ao invés contratou o argumentista texano L.M. Kit Carson, responsável pelos argumentos do remake de O Accossado, de Jean-Luc Goddard, O Último Fôlego, com Richard Gere, e Paris, Texas, de Wim Wenders, para reescrever o argumento. Apesar disso o gene satírico subsistiu e o texto final, tal como o filme, é permeado por uma inusitada veia cómica. Hooper afirma que Massacre no Texas contém elementos de comédia negra mas que estes passaram despercebidos aos espectadores dada a natureza violenta e chocante do filme. Mas em Massacre no Texas 2 há um esforço consciente e deliberado da introdução de elementos declaradamente humorísticos. Alegadamente os executivos da Cannon ficaram desagradados com o filme que Hooper entregou , pois estariam à espera de um filme de terror mais tradicional, mas a verdade é que o marketing abraçou o lado cómico produzindo um poster memorável que recria, com os elementos da família canibal, as poses dos adolescentes de O Clube, um popular filme de John Hughes do ano anterior.

Strech (Caroline Williams) é uma DJ numa estação de rádio local Texana que, ao receber um telefonema de dois adolescentes provocadores e embriagados, acaba por gravar em directo o momento em que são aterrorizados e assassinados por Leatherface, interpretado aqui por Bill Johnson. Este incidente chama a atenção de Lefty (Dennis Hopper), um antigo Ranger do Texas que persegue há doze anos numa sede de vingança a família de canibais que assassinou os seus sobrinhos. Quando Strech procura Lefty para lhe mostrar a cassete com a gravação, este acaba por decidir usá-la como isco para atrair os assassinos.

Massacre no Texas 2 é um filme, no mínimo, bizarro. Massacre no Texas também o era, mas a sua estética, ditada pelas limitações de orçamento, dava-lhe uma aura de verosimilhança que perturbava porque nos tornava em testemunhas passivas de acontecimentos capturados de forma quase documental. Sim, havia humor no meio do horror. Toda a sequência com as tentativas do avô em acertar com um martelo na cabeça da indefesa Sally, numa cena recriada sem o mesmo impacto na sequela, é de um surrealismo cómico que, efectivamente, só não faz rir por causa do seu contexto. O problema da sequela é que ao tentar o difícil híbrido da comédia de terror, acaba por sair derrotado em ambos os casos. Nem o filme tem graça, nem é muito assustador. Somos capazes de nos rir com a pseudo-psicologia Freudiana do desejo sexual de Leatherface por Strech, ou da destravada interpretação de Dennis Hopper que parece passar ao lado do filme até ao confronto final num duelo de motosserras, mas se nos rimos é maioritariamente de embaraço. Bill Mosley, nome conhecido dos aficionados do género tem uma interpretação maior que a vida na caricatura do soldado traumatizado pelo Vietname Chop-Top, enquanto que Jim Siedow, o único repetente do elenco original, encarna em Drayton Sawyer a crítica social do impacto do grande comércio nos negócios de pequena dimensão. Mas tudo isto parece acidental e inconsequente e minimiza os elementos potencialmente perturbadores da história. Nunca chega a ser realmente assustador e, graças à interpretação histérica de Wiliams, chega a testar a nossa paciência na sequência que espelha os acontecimentos tensos e imprevisíveis do original. Este, apesar de chocante, era relativamente tímido no que respeita a gore. Já a sequela, noutro afastamento do espírito do original, contou com o mestre Tom Savini para nos oferecer entranhas, cabeças cortadas ao meio e humanos esfolados. Savini nunca falha na qualidade destas cenas mas, pessoalmente, acho muito mais eficaz a contenção e a abordagem prosaica da cena do gancho de carne do original do que qualquer cena que a sequela tem para nos oferecer.

Ao produzir uma sequela é natural a tendência para alargar o universo, mas em Massacre no Texas 2, ao colocar a família de canibais em contacto com o resto da sociedade, Hooper tem a mão pesada na sátira, resvalando para um retrato exagerado e insultuoso dos texanos e tornando os elementos mais activos da família, Drayton, Chop-Top e Leatherface, nos três estarolas, chutos no rabo, insultos e agressões corporais incluídos. Mas como nem tudo é mau, e para acabar numa nota positiva, há momentos eficazes que vale a pena mencionar, nomeadamente a cena do ataque aos adolescentes, no início do filme, em que Leatherface enverga o corpo do falecido irmão como se se tratasse de um bonecreiro; a invasão por Chop-Top e Leatherface à estação da rádio, quando este descobre a luxúria do desejo carnal e se vê incapaz de assassinar Strech; e a cena em que esta dança com o seu deformado e perturbado pretendente envergando a esfolada cara do seu mutilado, mas ainda vivo, colega de trabalho. Curiosamente todas estas cenas envolvem Leatherface, o que talvez justifique a sua popularidade e destaque no que respeita ao panteão de figuras de filmes de terror, bem como o facto de que, apesar deste impopular segundo capítulo, se tenham continuado a produzir sequelas e remakes durante as décadas seguintes.

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Uma sala verde decorada de vermelho

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