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Uma sala verde decorada de vermelho

Uma sala verde decorada de vermelho

Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 25 de outubro de 2016 com o título Green Room e pode ser lido na íntegra aqui.

Green Room é mais uma estreia tardia nas salas de cinema portuguesas, mais de um ano depois da sua exibição no MOTELx. Seguindo o relativo sucesso de Ruína Azul, produção de 2013 que também estreou discretamente em Portugal, Jeremy Saulnier aprofunda as raízes temáticas embrenhadas de violência daquele título, desta vez contando com um maior orçamento e com nomes mais sonantes no elenco. Ruína Azul foi a sua segunda realização e surgiu como uma pedrada no charco do cinema americano de cariz independente com o seu retrato lacónico e prosaico da violência, propagada de forma descontrolada pela sede de vingança do seu protagonista principal Dwight, o impressionante Macon Blair. Este, após esperar de forma obsessiva, e com custos para a sua vida pessoal, pela saída da cadeia do assassino dos seus pais, revela-se relativamente incompetente na execução da sua tarefa vingativa, abrindo uma caixa de pandora de ações e consequências onde a emoção dos laços de sangue mandam mais que a razão, e o bom senso é atropelado por uma irracional propensão para a retribuição violenta. Como dizia o outro? Olho por olho, fica todo o mundo cego. Não fiquei tão impressionado com Ruína Azul como seria expectável, considerando a recepção crítica que teve, mas é inegável o talento de Saulnier para o desenho de personagens verosímeis ultrapassados pela dimensão da espiral da sua própria criação, bem como para o retrato repentino, desapaixonado e brutal da violência. Quando esta ocorre é desagradável, tal como é suposto, e estamos muito distantes da habitual glamorização deste tipo de cenas a que assistimos diariamente na televisão e no cinema.

Em Green Room acompanhamos os It Ain't Rights, uma banda punk jovem formada por Pat, Reece, Sam e Tiger, à procura de oportunidades de tocar ao vivo no noroeste americano. Depois de verem as suas expectativas defraudadas por Tad, este tenta compensá-los com a marcação de um concerto, no que se vem a revelar um bar de skinheads neonazis. Apesar do desconforto da banda, e de algumas provocações, tais como abrir o concerto com uma versão de “Nazi Punks Fuck Off”, dos Dead Kennedys, lançam-se numa performance dedicada e apreciada pela difícil audiência. Quando, depois do concerto terminado, e enquanto se dirigem para a saída, assistem a um hediondo crime na sala verde do estabelecimento, vêem-se encurralados na mesma na precipitação dos acontecimentos, impedidos de sair por um bando de skinheads no exterior. Quando Darcy, o líder do grupo, é chamado ao local, numa inesperada e aterradora interpretação de Patrick Stewart, as coisas complicam-se para os elementos da banda.

Green Room é um upgrade de Ruína Azul em todos os sentidos. Não só o orçamento é maior como é mais ambicioso. No elenco encontramos o malogrado Anton Yelchin como Pat, que se revela como o relutante líder do grupo, e os fãs de Arrested Development - De Mal a Pior reconhecerão Alia Shawkat como Sam. Além disso, Imogen Poots tem um papel de destaque, bem como o referido Macon Blair, amigo pessoal de Saulnier, e que regressa aqui num papel secundário, mas decisivo, ou Mark Webber, de Scott Pilgrim Contra O Mundo. Mas o destaque tem de ir inteirinho para Patrick Stewart que, em completo contraciclo dos populares Capitão Picard ou Professor X a que estamos habituados, encarna o tenebroso Darcy, tão mais ameaçador quanto composto e aparentemente conciliador e civilizado. É uma interpretação insidiosa porque retrata uma personagem cerebral e em completo controlo da situação, avaliando, decidindo e agindo sem remorso ou consciência. 

Esta é uma experiência tensa e emocionante e um dos trunfos de Saulnier é o dispensar quase completamente de diálogos de exposição. Ao sonegar do espectador informação de base, ou justificações para as motivações, este fica em pé de igualdade com os elementos da banda encurralados, verdadeiros peixes fora de água. Além disso, o mundo em que nos vemos envolvidos aparece-nos totalmente formado e vivido ou, noutra palavra, verosímil. Mesmo não percebendo inteiramente o que se passa, os “comos” ou os “porquês”, somos testemunhas das consequências das terríveis acções das personagens. Ajuda o facto de não serem feitas quaisquer concessões para efeito dramático, nem  de Saulnier estar preocupado com as regras do género. Apesar das diferentes reações das personagens perante o realidade que enfrentam, resultado das suas diversas personalidades, as suas decisões fazem sentido no contexto da situação, nunca ninguém se portando como um número para ser contabilizado no balanço de vítimas do filme. O facto de que mesmo as boas decisões resultarem em desfechos trágicoa é o reflexo da inevitabilidade do braço-de-ferro em que as duas facções se encontram.

Green Room não é um filme para estômagos fracos. É tenso e implacável. Filmado com apurado sentido estético é, no entanto, um filme assumido de género, e é melhor por isso. Embora tematicamente pisque o olho à artificialidade da pose e da pretensão, colocando os elementos da banda numa situação extrema que os confronta com a severidade de uma ameaça real, Green Room está mais interessado em nos envolver de forma visceral na tensão das suas cenas, construindo-as de forma metódica e clínica. Chegados ao final há uma sensação de vazio e, possivelmente, será essa a intenção do autor. Já diziam os Mão Morta, parafraseando: a violência tem um crescendo, começa por nada, acaba com tudo, e o que era lógico, fica absurdo.

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