Segundo Take

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Os Olhos da Minha Mãe

Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 23 de Fevereiro de 2017 com o título Os Olhos da Minha Mãe e pode ser lido na íntegra aqui.

 

Josh Mond, Sean Durkin e Antonio Campos são três cineastas que se conheceram na Escola de Artes Tisch, da Universidade de Nova Iorque, e decidiram criar uma companhia produtora para fomentar os seus próprios projetos. Assim nasceu a Borderline Films onde, com um espírito empreendedor e independente, os três autores vão rodando os papéis de escritor, realizador e produtor nos projetos pessoais de cada um.

Assim foram produzidos vários títulos, dos quais os mais sonantes serão Afterschool – Depois das Aulas, a estreia na realização de Campos em 2008, e Martha Marcy May Marlene, também a estreia atrás das câmaras de Durkin em 2011. Entretanto o coletivo estendeu o seu apoio a outros cineastas e em 2016 estrearam no Festival de Cinema de Sundance o primeiro filme produzido pela nova marca, Borderline Presents: Os Olhos da Minha Mãe, a estreia na realização de Nicolas Pesce. 

Os Olhos da Minha Mãe é um filme de cariz e estética independente difícil de resumir numa sinopse. Numa quinta remota uma mãe ensina anatomia à sua filha, Francisca, bem como a conviver com a morte. Uma tarde um evento traumático vai definir a psique de Francisca e isolá-la do mundo e da convivência social, deixando-a responsável por cuidar do apático pai e de um assassino acorrentado no celeiro. Contar mais seria injusto para o descobrir do filme, mas merece a pena adiantar a curiosidade da sua ligação a Portugal. Porque a personagem da mãe é Portuguesa parte do filme é falado em Português. Além disso o fado da Amália “Naufrágio” é peça central de uma cena em que Kika Magalhães, no papel de Francisca, dança para o seu pai.

Pesce, que também é responsável pelo argumento, está mais interessado em ambiente do que na narrativa e filma num preto & branco de exceção que sublinha o sentimento de opressão que vai crescendo em lume brando ao longo dos económicos 73 minutos de filme. Cada cena é meticulosamente encenada e composta através de uma direção de fotografia de encher o olho, e o ritmo é cozinhado num lume brando deliberado que obriga o espetador a trabalhar na procura de motivações e na interpretação daquilo que está a testemunhar.

Se dúvidas houvessem acerca do género de Os Olhos da Minha Mãe, estas rapidamente desaparecem. Além do gore subtil que se vai tornando lentamente mais óbvio com o decorrer da austera narrativa, e a que a fotografia a preto & branco ajuda a dar algumas tréguas, assistimos ao progressivo e seguro despertar da loucura de uma personagem que, na idade da inocência, testemunha o indizível e o impensável. Pesce poupa-nos a psicologias de qualquer tipo para justificarem as ações de Francisca e deixa-nos apenas com os terríveis resultados. Neste aspeto o filme é eficaz pois, se não é assustador de uma forma tradicional, é perturbante de uma maneira que dificilmente se confunde com entretenimento para ajudar a vender pipocas.

Mas nem tudo funciona na perfeição. Na hora de escrever os diálogos, ou os espartanos monólogos – pois Francisca passa grande parte do tempo sozinha – a mão de Pesce não produz os melhores resultados. Além disso as interpretações sofrem um pouco com a questão linguística, nomeadamente com os sotaques dos atores para quem a primeira língua não é, definitivamente, o inglês. Talvez este aspeto não fosse tão problemático se não houvessem momentos em que se falam as duas línguas num mesmo diálogo. A somar a isto o filme não sustenta o seu próprio conceito. A sua minimalista narrativa é, ainda assim, inverosímil a espaços e tem um final tão aberto que se torna algo insatisfatória.

Tendo feito sucesso pelos vários festivais onde foi exibido Os Olhos da Minha Mãe é um ótimo cartão de visita para o seu estreante autor, mas dificilmente terá impacto junto das audiências de terror habituadas a sustos baratos de fazer saltar da cadeira. É um filme com olho artístico que requer paciência do espectador e que, dependendo da sua capacidade para ignorar algumas fraquezas na escrita do argumento, se pode revelar como uma espreitadela perturbante aos recantos mais tenebrosos da psique humana.

 

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