A ciência da dedução de Sherlock Holmes
No próximo episódio de Universos Paralelos, um programa da autoria de António Araújo (Segundo Take), José Carlos Maltez (A Janela Encantada) e Tomás Agostinho (Imaginauta), que podem encontrar em www.segundotake.com/podcast/2018/8/19/episodio146, estudamos a ciência da dedução de Sherlock Holmes.
Quando pensamos na Inglaterra, no final do século XIX, evocamos imediatamente o nevoeirento romance gótico vitoriano, ou a emergência da consciência social dickseniana, com ruas geladas, velhos avarentos, fantasmas aristocráticos e pobres órfãos. Mas este era o tempo do socialismo de Marx, da revolução científica de Darwin, do positivismo de Comte, da psicanálise de Freud e do determinismo de Laplace, sendo ainda uma época em que a Inglaterra se arrogava de ter um Império que nunca via o por do sol, mas em que rebentavam guerras de independência, onde romantismo e nostalgia coexistiam com o entusiasmo do futuro trazido pelo racionalismo científico.
Fruto do seu tempo é Arthur Conan Doyle, um médico nascido em 1859, tirado das profundezas da Escócia, e de uma infância de rigor puritano, em que passou de órfão a self-made-man. Veterano de guerras coloniais, Conan Doyle aliou patriotismo e devoção mística ao seu espírito científico, gosto pela aventura e descoberta. O resultado foi uma escrita que ia do romance histórico napoleónico à aventura na descoberta de mundos perdidos, e àquela que seria a sua criação mais emblemática, o príncipe dos detectives: Sherlock Holmes.
Enquanto Londres se atemorizava com os crimes de Whitechapel, e a figura misteriosa de Jack o Estripador (1891), Conan Doyle dava-nos (a partir de 1887) uma personagem literária que nos vinha ensinar que, aplicando a dedução lógica, todo o crime pode ser solucionado, e todas as motivações podem ser determinadas. Como se a matemática fosse finalmente colocada ao serviço das preocupações sociais, ajudando a tornar mais habitável o caos que até aí fora a actividade humana.
É nesse optimismo racional, mesclado de centelha romântica, que nasce Sherlock Holmes, que Doyle nos traz em 4 romances e 56 contos, que constituem a matriz do romance de detectives que de então até hoje continua a captar fãs, primeiro na literatura, depois com a ajuda do cinema e da televisão.
Com uma escrita escorreita, não desdenhando algum sensacionalismo, e introduzindo a figura do narrador romântico, companheiro leal do detective, mas ao contrário dele, incapaz de deduzir e por isso um mediador ao nosso nível (modelo iniciado no fiel Dr. Watson), Arthur Conan Doyle deixou-nos um conjunto de histórias empolgantes, marcadas por casos bizarros, por vezes a roçar o horrífico, onde a frieza de um detective excêntrico, dado a momentos de uma quase sociopatia, faziam dele um super-homem intelectual de fraquezas mundanas, que nos guiava por exercícios mentais cuja recompensa era a resolução lógica, mas ao mesmo tempo surpreendente.
O modelo vingou, e proliferou. Da sua maior admiradora — Agatha Christie — a tantos escritores que se seguiram (G. K. Chesterton, Ellery Queen, Erle Stanley Gardner, Rex Stout, Ellis Peters, Dorothy L. Sayers, etc.), a literatura de detectives tornou-se uma das mais procuradas do século XX. Seguiram-se as adaptações, tantas vezes com actores a especializarem-se na sua versão de Holmes: do teatro, onde William Gillette começou em 1899, até ao cinema (Arthur Wontner, Basil Rathbone, Robert Downey Jr.), e depois à televisão (Peter Cushing, Jeremy Brett, Benedict Cumberbacht). Seguiu-se o uso do nome de Holmes como personagem de obras apócrifas que ainda hoje tentam compreender um homem que — relembremos, pois chega a parecer necessário — nunca existiu, mas que é a personagem ficcional mais vezes adaptada ao cinema.
Tenha-se ou não lido a obra de Conan Doyle, seja-se ou não especialista em Holmes, todos temos alguma noção de quem é este mestre dos detectives, e de como os seus métodos são infalíveis. Com duas séries televisivas actualmente a usar no nome de Sherlock Holmes, e uma tradição literária e televisiva que ainda usa os métodos de Doyle para contar histórias, chega a ser necessário questionar: é possível criar uma história de detectives sem parecer derivada de Holmes?
José Carlos Maltez, Agosto de 2018.
Fontes primárias
Bibliografia canónica
- Um Estudo em Vermelho (A Study in Scarlet, Dez/1887 – Beeton’s Christmas Annual) 
- O Sinal dos Quatro (The Sign of the Four, Fev/1890 – Lippincott’s Magazine) 
- As Aventuras de Sherlock Holmes (The Adventures of Sherlock Holmes, 1892 – The Strand Magazine) 
- As Memórias de Sherlock Holmes (The Memoirs of Sherlock Holmes, 1894 – The Strand Magazine) 
- O Cão dos Baskervilles (The Hound of the Baskervilles, 1901-1902 – em capítulos na revista The Strand Magazine) 
- A Volta de Sherlock Holmes (The Return of Sherlock Holmes, 1905 – The Strand Magazine) 
- O Vale do Medo (The Valley of Fear, 1914–1915 – em capítulos na revista The Strand) 
- Os Últimos casos de Sherlock Holmes (His Last Bow, 1917 – The Strand Magazine) 
- Histórias de Sherlock Holmes (The Case-Book of Sherlock Holmes, 1927 – The Strand Magazine) 
- Bibliografia apócrifa (selecção) 
- Sherlock Holmes: The Published Apocrypha (ed. Jack Tracy, 1980) 
- The Uncollected Sherlock Holmes (ed. Richard Lancelyn Green, 1983) 
- The Final Adventures of Sherlock Holmes (ed. Peter Haining, 2005) 
- The Apocrypha of Sherlock Holmes (ed. Leslie S. Klinger, 2009) 
- The Exploits of Sherlock Holmes (Adrian Conan Doyle, John Dickson Carr, 1954) 
Adaptações ao teatro (selecção)
- Sherlock Holmes (William Gillette, 1899 – em 4 actos) 
- The Final Adventures of Sherlock Holmes (William Gillette, 1905 – em 1 acto) 
- Baker Street (história: Jerome Coopersmith; música e letras: Marian Grudeff e Raymond Jessel, 1965) 
Adaptações ao cinema (selecção)
- The Return of Sherlock Holmes (1929, Basil Dean) 
- The Sign of Four: Sherlock Holmes' Greatest Case (1932, Graham Cutts) 
- A Lenda do Cão Fantasma (The Hound of the Baskervilles, 1939, Sidney Lanfield) 
- Sherlock Holmes Contra Moriarty (The Adventures of Sherlock Holmes 1939, Alfred L. Werker) 
- O Cão dos Baskervilles (The Hound of the Baskervilles, 1959, Terence Fisher) 
- A Vida Íntima de Sherlock Holmes (The Private Life of Sherlock Holmes, 1970, Billy Wilder) 
- Processo Arquivado por Ordem Real (Murder by Decree, 1979, Bob Clark) 
- O Enigma da Pirâmide: (Young Sherlock Holmes 1985, Barry Levinson Nicholas Rowe) 
- Rato Basílio, o Grande Mestre dos Detectives (The Great Mouse Detective, 1986, Ron Clements, Burny Mattinson, David Michener, John Musker 
- As Desventuras de Sherlock Holmes: (Without a Clue, 1988, Thom Eberhardt) 
- Sherlock Holmes and the Leading Lady (1991, Peter Sasdy) (telefilme) 
- The Hound of the Baskervilles (2000, Rodney Gibbons) (telefilme) 
- Sherlock Holmes (2009, Guy Ritchie) 
- Sherlock Holmes: Jogo de Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows, 2011, Guy Ritchie) 
- Mr. Holmes (2015, Bill Condon) 
Adaptações à televisão (selecção)
- Sherlock Holmes (BBC, 1964–1968) [39 episódios] 
- The Adventures of Sherlock Holmes (ITV Granada, 1984–1994) [36 episódios] 
- Sherlock (BBC, 2010-?) [a decorrer] 
- Elementary (CBS, 2012-?) [a decorrer] 
Fontes secundárias
Bibliografia
- Booth, M (2000) - The Doctor and the Detective: A Biography of Sir Arthur Conan Doyle. New York, NY: Minotaur Books. 
- Carr, J. D. (2003) - The Life of Sir Arthur Conan Doyle. New York, NY: Carroll & Graf. 
- Lycett, A. (2007) - The Man Who Created Sherlock Holmes: The Life and Times of Sir Arthur Conan Doyle. New York, NY: Free Press. 
Vídeos
- Entrevista de Arthur Conan Doyle (William Fox, 1927) (https://www.youtube.com/watch?v=8EOYl9Z0wB8) 
- Biography: Sherlock Holmes: The Great Detective (Peter Wain, 1995, Warner Brothers) (https://www.youtube.com/watch?v=eq0i4ktsgOc) 
 
              
             
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
     
  
  
    
    
    

 
             
             
             
             
       
      

